quinta-feira, 5 de maio de 2011

QUEM FOI JESUS CRISTO? -01



Não são apenas religiosos nessa busca. São filólogos, lingüistas, arqueólogos, paleógrafos e historiadores juntando peças milimétricas de um enorme quebra-cabeça.

Conta o evangelho de João que, quando Jesus ressuscitou e apareceu aos apóstolos, um deles, São Tomé, duvidou. Quis verificar de perto as chagas do mestre para, só então, dar crédito ao milagre.

Atualmente, em matéria de fé, a cautela de São Tomé vem ganhando mais e mais adeptos. Não que os crentes duvidem, mas já não basta mais acreditar nos ensinamentos de Cristo: é preciso pisar o chão que ele pisou, respirar o ar que ele respirou. Em 1993, 12 808 brasileiros visitaram Jerusalém. Em 1995, o número dobrou: 26 357. Agora, 1996 deve bater um novo recorde. O turismo brasileiro para Israel é o que mais cresce naquele país, em termos proporcionais, segundo o Ministério do Turismo, em Tel Aviv. É viajar para crer.

Para quem não viaja, é ter para crer. Em três meses, a marca de televendas Homeshopping vendeu 15 000 “Cruzes da Natividade”, um crucifixo com uma minúscula redoma de vidro que, segundo os vendedores, contém um fragmento da gruta de Belém (onde, supõe-se, Jesus teria nascido). O comprador recebe um certificado do Museu de Israel garantindo a autenticidade da pedrinha. Na busca pelo Jesus histórico vale o aval da ciência. Bem ao estilo da prova empírica exigida por São Tomé.

O problema é que, em matéria de ciência, sabe-se muito pouco sobre o personagem, infelizmente. A névoa mística que encobre a biografia de Jesus é tão espessa que muitos desaconselham qualquer pesquisa. Além disso, as comprovações históricas não são imprescindíveis pois, com ou sem elas, os valores humanitários deixados pelo cristianismo são indiscutíveis e constituem a própria base da nossa civilização. Jesus Cristo não inaugura a nossa era por acaso.

Mesmo assim, um número impressionante (e crescente) de pesquisadores se dedica ao assunto. As pistas são precárias e controversas, mas apresentam novas respostas (às vezes, novas perguntas) sobre Jesus Cristo. Você vai ver tudo nesta reportagem. Para começar, uma certeza: na Judéia, em torno do ano zero, aconteceu algo crucial.

Como Rastrear a Verdade sob o Mito

Cristo nasceu antes de Cristo, no ano 7 a.C. Nosso calendário romano-cristão está errado, já devíamos estar no ano 2001. Tampouco há evidência de que o Natal seja em 25 de dezembro, porque não se sabe em que mês Jesus nasceu. A data de dezembro foi fixada pela Igreja no ano 525 para coincidir com festas pagãs do Oriente e de Roma. E, de acordo com as pesquisas, Jesus não nasceu em Belém, na Judéia, mas em Nazaré, na Galiléia, norte de Israel (veja os detalhes na página 54). Para a maioria dos pesquisadores os reis magos, o presépio e a estrela de Belém são invenções dos evangelistas para identificar o nascimento de Jesus com a vinda do Messias, que já era anunciado no Velho Testamento. A expressão é profana mas vale: há muito marketing político nos evangelhos.

Os estudiosos (muitos deles, homens de fé cristã) sabem que os evangelhos oficiais da Igreja, de Marcos, Mateus, Lucas e João, dão mais testemunhos de fé do que da verdade histórica. Mais ainda: apresentam discrepâncias e contradições inconciliáveis. Para resolvê-las e ajustar o foco da ciência sobre o chamado Jesus histórico, as próprias instituições religiosas financiam estudos e mais estudos. Parece um paradoxo, mas o fato é que na era do fundamentalismo religioso, a fé precisa se basear em evidências científicas.

Há 4 800 scholars pesquisando as Escrituras, só nos Estados Unidos. Há 80 000 livros sobre Jesus e 1 000 cursos universitários sobre ciência e religião, no mundo.

Em busca de Novas Fontes

Nos últimos 50 anos, descobertas arqueológicas reviraram o rumo das pesquisas várias vezes. Mas valeu a pena. Como resultado, a lingüística e a filologia se aprimoraram, admiravelmente. Hoje, os cientistas podem comparar textos antigos, analisar estilo, forma, mensagem e estabelecer pressupostos sobre a cultura da época, seu ambiente e sua idade. O mistério, entretanto, continua. O problema, incontornável, é que faltam fontes. Do nascimento de Jesus até seu batismo, na fase adulta, não há nada, nem nos Evangelhos. Não há nenhuma descoberta arqueológica associada diretamente à vida de Jesus. As historiografias grega e judaica, tão copiosas sobre outros vultos da Antigüidade, simplesmente ignoram Jesus Cristo. As fontes romanas são posteriores à sua morte. E muitas foram adulteradas pela propaganda religiosa (veja na página 50). É notável o contraste entre a importância de Jesus para a posteridade e sua insignificância nos registros da época.

A Cultura do Cristianismo

As maiores esperanças estão nas escavações arqueológicas. Em 1945, nas cavernas de Nag Hammadi, no Egito, encontrou-se uma biblioteca cristã do século IV, em língua copta, com vários Evangelhos Apócrifos, aqueles não incluídos no Novo Testamento. Dois anos mais tarde, nas cavernas de Qumran, em Israel, foram achados os Manuscritos do Mar Morto, a biblioteca de um convento da seita judaica dos essênios, com textos de 152 a.C. a 68 d.C., cuja decifração até hoje não foi concluída (veja na página 56).

Os Manuscritos do Mar Morto também ignoram Jesus, mas revelam a cultura sobre a qual o cristianismo se erigiu. Agora, em janeiro de 1996, mais quatro cavernas funerárias, dos séculos II e I a.C, foram descobertas, em Qumran, sem documentos. Mas quem sabe não surgirão outras?

Uma das maiores autoridades na história do cristianismo, o padre filólogo Emile Puech, da Escola Bíblica Arqueológica Francesa de Jerusalém, encarregada de decifrar os Manuscritos, admitiu à SUPER seu pessimismo: “Nosso conhecimento sobre Jesus provavelmente não vai mudar. Mas poderão surgir novas indicações filológicas, lingüísticas e históricas importantes sobre a Palestina e a jovem comunidade cristã do século I. Isso, sim, ajudará a conhecer melhor o Cristo real”.

Como Proteger o Mito da Verdade

A tese é polêmica, mas a maioria dos pesquisadores está convencida de que os quatro evangelhos oficiais da Igreja do Novo Testamento – Marcos, Mateus, Lucas e João – não foram escritos por seus autores. São, muito provavelmente, compilações de mensagens anônimas ou atribuídas aos apóstolos, orais ou escritas, dos séculos I e II. Os nomes dos quatro evangelhistas apenas identificam conjuntos de ensinamentos (creditados a cada um deles) escritos e reescritos pelas comunidades, sucessivamente.

O evangelho de Marcos é o mais antigo dos quatro, escrito por volta do ano 70 d.C. O de Mateus é do ano 70 ou 80, o de Lucas do ano 80 ou 90 e o de João foi escrito depois dos 90. Os quatro contêm “material suficiente para levar fé ao coração das pessoas abertas, mas não para escrever uma biografia de Jesus”, segundo o teólogo Luke Johnson, autor de The Real Jesus.

A grande quantidade de textos era um problema para a Igreja que estava nascendo. Havia muitas comunidades, ritos e evangelhos diluindo a doutrina e favorecendo o aparecimento de dissidências e heresias. Por isso, aos poucos, tornou-se necessário escolher alguns e canonizá-los, tornando-os santos. Muitos ficaram de fora. Há mais de sessenta Evangelhos Apócrifos, como o de Tomé, de Pedro, Felipe, Tiago, dos Hebreus, dos Nazarenos, dos Doze, dos Setenta etc, que não entraram no Novo Testamento. Têm enorme valor para a ciência.

O Primeiro Concílio

A canonização dos textos se confunde com a consolidação da Igreja. No ano 311, o imperador romano Constantino se converteu ao cristianismo e a Igreja, antes perseguida, ganhou o apoio do Estado. O próprio Constantino organizou o primeiro concílio ecumênico, na cidade bizantina de Nicéia (hoje, território turco), no ano 325, pagando as despesas de viagem de 318 bispos. Em meio a discussões acaloradas, várias vezes apartadas pelo imperador e seus soldados, foram estabelecidos o primado da Igreja Romana sobre a cristandade, o dia da Páscoa e importantes dogmas doutrinários. A partir daquele concílio, as Escrituras cristãs começaram a ser oficializadas.

Foi o bispo de Alexandria, Atanásio, ainda no século IV, quem escolheu os 27 textos do Novo Testamento: os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João, os Atos dos Apóstolos, o Livro das Revelações e mais 21 Cartas.

Tudo isso foi escrito em grego, que era língua culta do Oriente Próximo desde a expansão helenizante de Alexandre Magno (356-323 a.C.). A propósito,Cristo é uma palavra grega (quer dizer “o ungido”) e a primeira capital mundial da cristandade não foi Roma, mas a grega Constantinopla. Até o século IV, a missa, em Roma, era celebrada em grego. Os textos do Novo Testamento popularizam-se com a tradução para o latim feita por São Jerônimo, na Palestina, no século V.

Durante séculos, os monges copistas reproduziram esses textos a mão, às vezes reelaborando-os segundo as conveniências da doutrina. Alteraram não só o Novo, como também o Velho Testamento. Partes do Gênesis teriam sido criadas por teólogos, entre eles Santo Agostinho (354-430). “O conceito de Pecado Original, derivado da desobediência de Adão e Eva como princípio da história pecaminosa da raça humana, não existe no Velho Testamento judaico”, observa o teólogo Paulo Augusto de Souza Nogueira, professor do Instituto Metodista de Ensino Superior. O assunto é controverso, é claro. O historiador e ex-padre, Augustin Wernt, do Departamento de História da USP, está entre os que não aceitam “a consistência científica dessa hipótese”.

A História Falsificada

Outros textos clássicos também foram adulterados. No importante Antiguidades Judaicas, que fornece informações importantes sobre Jesus e o cristinianismo, o historiador Flávio Josefo (37-100), lá pelas tantas, afirma que Jesus “fazia milagres” e que “apareceu, três dias depois da sua morte, de novo vivo”, afirmação pouco crível para um ex-judeu feito cidadão romano. “Claro que esso trecho foi distorcido”, explica Maria Luiza Corassim, professora de História Antiga na Universidade de São Paulo. “Josefo não podia acreditar que Jesus fosse o Messias. Isso é coisa dos monges copistas. Do século II ao século XV as únicas cópias existentes dos livros estavam nos conventos. Eles agregavam o que queriam”.

Agora, boa parte do trabalho dos pesquisadores é separar o que é verdade de fato, sobre Jesus e sua época, e o que era propaganda.

REVISTA SUPER INTERESSANTE
Edição 103 – Abril 1996

Nota: Imagem de Jesus Cristo não consta na Edição 103 desta Revista, só ilustrativa desse BLOG.
Se deseja compartilhar e divulgar estas informações, reproduza a integralidade do texto e cite o autor e a fonte. Obrigada, Hospital Espiritual do Mundo.

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