Aprisionado no norte da África, onde se celebrizara
pelo verbo inflamado e pelas ações dignificantes de caridade e de amor, Policarpo foi enviado em
ferros a Roma com a família - mulher e dois filhinhos - bem como outros
discípulos do Rabi, sendo atirados às feras, num dos turbulentos festivais de
loucura.
Altivo
e de ascendência nobre, em razão de ser romano de nascimento, foi-lhe
proporcionado ensejo de renunciar à fé, retornando ao culto dos ancestrais,
providência que pouparia a sua e a existência da família. Embora de alma
dilacerada pelos sofrimentos que lhes seriam impostos, optou pela fidelidade à
consciência, sendo martirizado com os seus.
Conta-se
que, antes de ser atirado à arena, em face da sua inteireza moral, por ordem
superior foi supliciado pela soldadesca, enquanto a mulher e os filhinhos eram
submetidos a humilhações inomináveis. Igualmente portadora de alta
espiritualidade, Flamínia, a companheira digna, ao invés de atemorizar-se, mais
confiou nos desígnios divinos, revestindo-se de coragem e de fé
inquebrantáveis, que surpreendiam aqueles insensíveis algozes da sua firmeza
moral.
No
dia em que deveriam servir de repasto aos leões, leopardos e tigres esfaimados,
Policarpo foi jogado no meio dos companheiros atemorizados, lanhado e esgotado
nas forças pelos flagícios sofridos, e mesmo assim, tentou recompor-se, para
transmitir ânimo àqueles que, não obstante o amor e a confiança no Mestre,
choravam apavorados temendo o próximo terrível testemunho que os aguardava.
O
subterrâneo infecto por dejetos e cadáveres não removidos tornara-se lôbrego e
nauseante. Aqueles que ali se encontravam haviam perdido praticamente o
discernimento e, hebetados uns pelo medo, agitados outros pelo desespero,
estremunhados diversos, vendo-se abandonados, subitamente sentiram a mudança da
atmosfera, quando ventos inesperados que sopravam no ardente mês carrearam o
doce perfume dos loendros dos arredores abertos aos cálidos beijos do Sol.
De
imediato, uma psicosfera de paz invadiu o recinto sombrio e fez-se um
significativo silêncio, enquanto o rugir dos animais misturava-se à algazarra
desmedida da multidão agitada pelos corredores, assomando às arquibancadas e
galerias, aplaudindo o espetáculo burlesco que sempre precedia às matanças
desordenadas.
Foi,
nesse momento, que o apóstolo, recuperando as energias e inspirado pelos
Emissários do Senhor, convidou o magote assustado à reflexão e à prece,
elucidando:
-
Morrer, por Jesus, é a honra que agora nos é concedida. Enquanto Ele, que não
tinha qualquer culpa, doou a Sua vida, para que a tivéssemos em abundância,
convida-nos a que ofereçamos a nossa, a fim de que outros, que virão depois,
igualmente possuam-na. Morrer por amor é glória para aquele que se imola.
Enquanto o mundo nos surpreende com as suas ilusões, sombras e traições dos
nossos sentidos, a morte é vida perene em luz e felicidade. Não nos separaremos
nunca! Avancemos juntos, portanto, pois que o Mártir do Gólgota nos aguarda em
júbilo. O nossa sangue irá fertilizar o solo dos corações, a fim de que se
expanda a nossa fé, modificando a Terra e elevando-a ao estágio de mundo de
reabilitação.
Ele
fez uma ligeira pausa, dominado pela emoção que contagiava os ouvintes atentos,
inebriando mentes e corações de esperanças na Imortalidade, e, de imediato,
dando seguimento: - É fácil morrer, especialmente quando se soube viver
transformando urze em flores e calhaus em estrelas. Cantemos, dominados pela
infinita alegria de doar o que possuímos de mais valioso, que é a vida física.
Jesus, que nos ama, aguarda por nós!
A
emoção era geral. Uma aragem de paz tomou-os a todos. A esposa acercou-se-lhe
com um filhinho no regaço e o outro segurando-lhe as vestes, e tocou-o.
Abraçando-a com lágrimas, ele agradeceu-lhe a coragem, prometendo que
prosseguiriam amando-se depois da sombra da noite...
Os
portões foram abertos estrepitosamente. Soldados furiosos com lanças e chibatas
empurraram os prisioneiros para o centro da arena. A gritaria infrene tomou
conta da massa alucinada, que subitamente silenciou, quando eles se adentraram
cantando um hino de exaltação a Jesus.
Em
seguida, os animais selvagens foram atirados na sua direção e, a pouco e pouco,
as patadas violentas e as dilacerações pelos dentes afiados, foram despedaçando
os corpos, que tremiam exangues na areia, colorindo-a do rubro fluido orgânico.
Policarpo, a mulher e os filhinhos, formando um todo em vigoroso abraço de
sustentação moral, foram alcançados e despedaçados... Após as primeiras dores
uma anestesia total tomou-lhes a consciência e pareceram adormecer, enquanto o
espetáculo dantesco prosseguia...
Embora
remanescesse débil claridade do Sol poente no áspero verão de agosto, a noite
avançava, deixando aparecer as primeiras estrelas faiscantes como olhos que
observassem as inconcebíveis calamidades humanas.
E
quando a noite fez-se total, após o público insano ter abandonado o Circo, as
feras serem recolhidas, os corpos começaram a ser atirados sobre as carroças
conduzidas por escravos embriagados, vestidos de faunos e portando
comportamentos obscenos, de modo a prepararem o espaço para o dia seguinte e
suas novas degradações, do Infinito incomparável e diáfana luz desceu na
direção da arena, servindo de passarela para uma coorte de seres angélicos que,
entoando sublimes canções, aproximou-se do lugar do holocausto.
À
frente, estava Jesus, nimbado de sideral luminosidade, que recolheu Policarpo e
família, enquanto os demais martirizados eram retirados dos últimos despojos
pelos Seus embaixadores em clima de alegria e gratidão a Deus.
Despertando,
e deslumbrando-se com o Mestre que o envolvia em claridades iridescentes,
Policarpo abraçou-o, enquanto Ele confirmou: - Amigo querido, já transpuseste a
porta estreita. Agora vem com os teus para o meu reino que te espera desde há
muito!
Policarpo,
depois daquela doação a Jesus, retornou à Terra diversas vezes, sempre quando o
pensamento do Mestre sofria adulterações, sendo a sua última jornada na
condição de seareiro do Espiritismo, nele restaurando a mensagem cristã que
havia sido aviltada através dos tempos.
Fonte:Entre os dois mundos. Divaldo Pereira Franco.
cap. 2.
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Hoje também no coração interior da África continuam ceifando a vida de milhares de seguidores de Cristo e da Sua doutrina - Paz e amor.
ResponderExcluirNo caso de Policarpo fiquei com uma dúvida muito grande. Porque não fez a segunda opção...poupava-se a ele e aos familiares.Morto não resolveu nada.
Por vezes devemos fingir enganando os traidores mas procurando que eles aceitem a Lei de Deus e o Seu amor a todos os seres humanos não os forçando a seguir os caminhos da Boa Nova
Linda história.
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